matéria publicada na revista Emília - em setembro de 2011
Buscando critérios para a escolha de livros
POR YOLANDA REYES
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Yolanda
Reyes nasceu na Colômbia, é
educadora, fundadora e diretora do Instituto Espantapájaros, em Bogotá – um projeto cultural de formação de leitores, dirigido não apenas as crianças,mas também a mediadores e adultos. Especialista em fomento à leitura, consultora, autora de artigos e livros sobre o tema da leitura, é autora de A casa imaginária: leitura e literatura na primeira infância (Global, 2010). É colunista do diário El Tiempo, de Bogotá
e também
se destaca pela sua obra literária
para crianças e jovens. Dentre seus livros publicados no Brasil, destacamos É terminantemente proibido, A pior hora do dia, Saber perder e Terça-feira: 5ª aula (FTD) e Um conto que não é reconto
(Mercuryo Jovem).
Como escolher boa literatura para crianças?
Essa é a pergunta mais frequente que os pais me fazem e não gosto de respondê-la em abstrato,pois se cada criança é diferente, os pais também são, e cada pessoa tem seus gostos, suas perguntas, suas maneiras de ler... Isso sem falar nas idades, porque temos incluídos nesse rótulo que os adultos denominam, genericamente, "crianças", desde os bebês até os adolescentes.
Mas essas
também são categorias abstratas,
porque um bebê pode gostar dos animais, enquanto outro pode preferir flores, e uma menina de dez anos pode odiar poemas, que outra criança adora.
O
mesmo ocorre com os romances de aventura,
ou os que falam da vida real. O mesmo com os monstros e com as fadas. Alguns gostam de contos, outros, de histórias em quadrinhos. Alguns querem muitas ilustrações, outros, letras pequenas. E isso sem falar dos momentos, porque há livros para ler à noite e outros para ler durante o dia. Há livros para chorar e outros para rir.
Alguns
são perfeitos para responder àquela
pergunta que não sai da nossa cabeça, enquanto outros nos deixam um monte de novas perguntas. Às vezes, precisamos de uma resposta e, às vezes, precisamos de mais perguntas.
E por aí
vai...
Então, não
existe resposta?
Na verdade,
não existe receita.
Ou talvez
pudesse haver uma: para uma
criança ler, só precisa saber ler.
Ler como?
Ler o quê?
1. Ler
para as crianças
Quem são e
do que eles gostam. O que
eles nos dizem todos os dias – e o mais importante: o que eles não nos dizem. O que os faz perder o sono e o que os faz sonhar. De que brincam e com que brincam, com que se divertem, o que os faz chorar. O que sentem com os livros que vêm em casa, na biblioteca, na livraria, ou na sala de aula. Quais eles preferem. Eles podem ser totalmente distintos mesmo sendo gêmeos ou sentados numa mesma carteira. Nenhum especialista sabe o que você sabe sobre essa criança concreta que espera aquele livro em particular, em um momento preciso de sua vida. Confie na sua sabedoria instintiva. Seus próprios filhos são o seu primeiro texto
de
leitura.
2. Ler o
livro, panoramicamente
Como você lê
o descritivo das vitaminas
numa caixa de cereal? Usando seus critérios. Você não compra a caixa de cereais apenas porque é mais colorida ou se tiver um personagem de Walt Disney. Tampouco compra um disco sem olhar a capa e as músicas que ele contém e, muitas vezes,
inclusive,
pede para ouvir.
Isso que é
feito na loja de discos, ou na
livraria antes de comprar um livro, para você, deve ser feito quando se trata dos livros para as crianças. Não compre o primeiro que lhe oferecem. Antes de olhar se tem capa dura ou adesivos, pergunte ao livro:
a) Quem assina?
Você não
compra um livro anônimo, a menos
que seja a Canção do Mio Cid. Nem é a mesma coisa comprar um romance de Saramago ou de um "escritor fantasma". O mercado está cheio de livros infantis assinados por multinacionais. Como em qualquer literatura, um verdadeiro escritor de livros para crianças garante o que escreve com a sua assinatura.
b) Quem é o ilustrador?
Nos álbuns
ou livros de imagens, a ilustração
é uma linguagem tão válida quanto o texto. Aprenda a diferenciar"desenhos" de uma ilustração com caráter e estilo próprios. (Aqui também, a assinatura de um ilustrador é uma garantia de que alguém está por trás desse trabalho.) Você está educando o olhar de uma criança. Cuidado com os estereótipos: o sol com rosto feliz ou a típica
casinha
triangular. Olhe mais longe: peça a
ilustração que não se limite a repetir o que dizem as palavras, que as amplie, que brinque com elas; que proponha novas leituras; que deixe um espaço
para a
imaginação. Os bons livros de
imagem podem ser o museu de uma criança.
c) É versão original ou adaptação?
No caso dos
contos de fadas, das histórias de
tradição oral ou dos clássicos, o livro deve dizer se é uma adaptação ou uma versão original. É diferente ler o Chapeuzinho vermelho de Perrault ou dos irmãos Grimm a ler uma adaptação, onde pode ter se perdido a força da linguagem e a carga
simbólica
das imagens. Cuidado, também
com os romances simplificados. Alice no país das maravilhas, de Carroll, Pinóquio, de Collodi, Peter Pan e Wendy, de Barrie são novelas complexas e muito lindas e devem ser lidas no seu devido tempo. Ler essas obras resumidas em continhos de poucas páginas é como ler A Odisseia em um resumo de escola. É melhor que a criança possa
desfrutar
de toda a riqueza da obra
quando crescer um pouco mais. Desconfie, também, dos
clássicos
para adultos em versões
infantilizadas. Virá, no devido tempo, o momento de desfrutar a verdadeira voz de Shakespeare ou Cervantes.
d) Qual é a idade sugerida?
A maioria
dos editores oferece sugestões
de idade. Leve em conta essas recomendações, porém enriqueça-as com os seus critérios. Existem livros para todas as idades; há outros sem idade. Além disso, nem todos os processos leitores são os mesmos. A idade cronológica de um leitor é apenas uma das variáveis. Coteje a sugestão da editora com o seu conhecimento e o dessa criança de
verdade que
vai receber o livro.
e) Que editora publica esse livro?
Além do
nome, verifique a cidade, o ano
da publicação, o nome do tradutor etc. Desconfie se essas informações não estiverem explícitas. Vire as páginas; leia a capa e a contra capa. Você vai
encontrar
dados sobre o livro e seu autor
que lhe darão as primeiras pistas.
3. Envolva
as crianças na pesquisa
Leve as
crianças a bibliotecas públicas e
livrarias. Leia com elas e companhe-as em seu processo de crescimento como leitores. Acredite na palavra da criança, mas ao mesmo tempo, ofereça ferramentas para que possa ir educando os seus critérios. Na medida em que uma criança tem contato com literatura de qualidade, ela irá refinando a sua sensibilidade e tornando-se cada vez
mais
exigente. Nem sempre o que é fácil,
o que está na moda ou o que está no topo da lista dos "mais vendidos" é o melhor. Não se deixe, tampouco, tentar pelas coleções completas que não garantem, por si só, a qualidade de cada título. Dê liberdade de escolha, mas ofereça, também, a riqueza de sua experiência como leitor adulto. E não queira acertar sempre. Ler é também
equivocar-se.
4. Busque
assessoria
O campo da
literatura infantil é enorme.
Muitos autores, ilustradores, gêneros e tendências que não conhecemos quando éramos crianças têm enriquecido enormemente as opções de leitura. Não
fique
limitado ao que você leu na infância.
Aproveite as crianças para descobrir novas obras e não pretenda conhecer tudo. Busque um livreiro ou um bibliotecário que conheça literatura infantil.
Consulte as
listas de livros recomendados,
as publicações sobre o assunto e as instituições que promovem a leitura. Você vai se surpreender com as descobertas e encontrará livros, não só para ler com seus filhos, mas também para você.
5. Não
confunda uma obra literária com
um livro didático
Assim como
você procura muito mais que
ensinamentos explícitos quando lê um romance de García Márquez, seu filho busca na literatura muito mais que um ensinamento moral. A literatura se move na esfera do simbólico e apela à experiência profunda dos seres humanos. Desconfie das mensagens explícitas e das morais óbvias. O mercado está cheio de livros infantis que "disfarçam" – sob o título de "conto" – as intenções didáticas dos adultos. Aprenda a diferenciar os manuais de autoajuda das obras literárias. A literatura não pretende explicar valores, letras do alfabeto, regras de polidez ou mensagens ambientais. Leia nas entrelinhas e não escolha um livro só pelo seu tema,mas pela sua forma e pela maneira como um autor constrói uma voz e um mundo próprios.
Desconfie
dessa linguagem pseudoinfantil,
cheia de diminutivos e de histórias light, onde os protagonistas são tão perfeitos como ursos de pelúcia. (Seu filho vai ser o primeiro a "não engolir a história".) Os livros infantis podem ser atrevidos, transgressores, irreverentes, sutis, inteligentes,
tristes...
Todas essas nuances, que
constituem a infinita variedade da experiência de um ser humano, alimentarão o mundo interior das crianças e lhes darão as chaves secretas para descriptografar
muito
sobre sua própria vida e sobre as
emoções, sonhos e pesadelos sobre fantasia e realidade.
Quando você
for ler literatura para uma
criança, deixe-se tocar pela linguagem cifrada e misteriosa
dos
livros. Todo o resto virá depois.
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